segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Renda



Vi um vestido de roda
Vermelho fosco, rendado
Vi uma mosca
Uma pasmaceira
E no crepúsculo vespertino
Um mundo desencontrado
Malogrado diante de mim
Mas muito mais diante ti
Pairando ao dissabor da fórmula
                                                      Da magia, do porquê, da pergunta
                                                      Se ele era magro ou se era gordo?
                                                      Fez-se sol ou se fez chuva?
                                                     Ai, minha virgem Maria!
                                                     Eu te dizia e apontava:
                                                     Tu chames pela virgem Maria
                                                     Reze dez novenas
                                                     Coloque seus olhos no céu
                                                     Mas não chames mais por mim

Vi um diamante negro
Que caiu e se fragmentou
Em suas partes, repartindo-se
E noutras partes se juntando
E logo, fomos visíveis
Enxergamos, então, a vida
A dupla face dos semblantes
Vi um passarinho e ele me avisou:
- Há algo errado ai!
Porém o aviso foi ignorado
E não era mais cristal
Mas sua luz não o destronou
Só foi outro que passou
- Ai! De zanga se estragou?
Se era bicho ou se era gente?
Não sei.
Elementos mágicos, dizei:
Sangue de morcego... perna de rã...
Pé de pato... ou será sapo?
Hum... asa de mosca...

Vi um cristal tão límpido...
Que adormeceu minhas vistas
Tive um sonho. Foi uma hora.
Eu era rica e depois era pobre.
- Mas não há mais remédio!
Vi a transmutação do ouro em carvão
E as lágrimas cristalizaram-se
Foram ao fundo do último porão.
Este fundo que nunca atendeu
E nem nunca atende nossas finanças
Nossas falências, ruinas e nossos aterros.
Em suas suplicas ou em fragmentos
A vida nos fez em duas partes separadas
Eu nasci homem. Eu nasci mulher.
Uma rosa sem espinhos?
Jamais!
De que serviria?
E tu se pudesses, arrancarias?
Olho um lado, depois o outro.

Vi um raio de sol...
Foi quando as lágrimas caíram
Eu nasci e era bom
Mas o mundo me fez mal
Maldita corrupção que coroe a todos nós
Somos solitários ou desunidos?
Misericórdia! Faça uma opção!
Bendita seja a graça que lhe der seu coração.
Com o furor e a volúpia dos teus seios
Dá-se alma a esse corpo corrompido. Liberta-o!
Esse corpo que nunca parou
Que nunca rompeu
Nunca sentiu a norte chegar à surdina
Na calada da noite
Faço um pedido: alcança esse ser!
O ser desvelado em carência. Deixe-o ir!
Há flutuar sobre o profundo abismo da eternidade...
Silencio! Um minuto!

Vi o tempo voar... Voar...
O relógio marcou as doze badaladas
Nunca soubemos amar bem de perto
Oras! O que foi perdido? Perdido está!
Era uma luz dessas que ofuscam nossas retinas
E nos fadigam quando há desencontros
Estamos cansados, cansados demais
Além da medida, para além da jornada
É preciso trabalhar em silêncio, sem medir
Sem pedir, sem partir e sem desanimar
Já não se pode perder!
É preciso comer pedra se for preciso
Não há mais a esperança numa escuta
Que lhe possa atender se houver um apelo
Não existe uma criança que possa chorar
E nenhuma dor que se possa sentir
O tempo é passado!

Vi-me, eu mesmo, no espelho
Uma aurora! E que manhã!
Croissant, leite, pão e mel...
Se me abrisses uma janela
Pergunto-me todos os dias o que aconteceria
Ao adentrar do sol, vejo um vulto, uma sombra
Duas pernas
E nas pontinhas dos dedos
Levanto um braço
Levanto o outro
Olho, mas não entendo!
Espero que um sinal se realize
Logo depois... Mergulho no escuro
No vagar das tuas palavras
Encontro um mistério, uma aflição
E até a mais pura amplidão
Quis reter-se e resumir-se a sofreguidão dos versos
Que cantam e jubilam impacientes
Perfazendo mil e um buracos...
Se me desses uma renda, lhe daria meu poema.


                                                                                                       Ana Cláudia Dias

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